Sexta, 25 de outubro de 2024
O STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir sobre a validade da contribuição dos trabalhadores autônomos após a reforma da Previdência de 2019.
A discussão é se a contribuição paga em atraso ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) pode ser usada como tempo mínimo para que o segurado entre em regra de transição mais vantajosa —pedágio de 50% ou 100%— após a emenda constitucional 103, de 13 de novembro de 2019.
O posicionamento dos ministros valerá para todos os casos do tipo no país, já que a corte decidiu, no começo de outubro, que há repercussão geral no Tema 1.329. O julgamento ainda não foi marcado.
O tema tem dividido o Judiciário. A maioria das decisões, no entanto, é favorável aos trabalhadores e contra do INSS, que levou o caso ao Supremo, em recurso extraordinário.
No recurso, o instituto argumenta que o artigo 17 da reforma da Previdência define como tempo de contribuição mínimo para a aposentadoria apenas aquele efetivamente recolhido até a publicação da norma. E defende que o recolhimento posterior das contribuições em atraso não é válido nestes casos.
O caso em questão é de uma segurada do Sul do país, que entrou na Justiça para fazer o pagamento de alguns períodos de trabalho rural realizados entre os anos de 1991 e 1994, cujas contribuições não foram recolhidas na época.
A segurada ganhou em primeira instância, mas o INSS recorreu. A 1ª Turma Recursal do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) entendeu que ela tem o direito de pagar esse período em atraso —desde que comprove a atividade— e de utilizá-lo nas regras de transição da aposentadoria.
Com isso, a segurada de 52 anos conseguiria o benefício previdenciário pelo pedágio de 50%. Pela regra, mulheres com 28 anos de contribuição e homens com 33 anos de pagamentos ao INSS podem se aposentar ao trabalhar por mais metade do tempo que faltava.
Nestes depois exemplos, mulheres e homens trabalhariam mais três anos —dois que faltavam e um de pedágio— para se enquadrar na aposentadoria por tempo de contribuição, que garante benefício com 30 anos e 35 anos de INSS, respectivamente.
No posto, o instituto negou a aposentadoria, mas a Justiça mandou pagar o benefício a partir de novembro de 2022, quando foi feita a solicitação de forma administrativa. O instituto utiliza em sua defesa o que diz a portaria 1.392, de novembro de 2021, que regulamentou decreto da reforma da Previdência.
O documento diz que "recolhimentos realizados em atraso em data posterior ao período de trabalho não serão considerados" no caso dos pedágios de 50% e 100%.
Rômulo Saraiva, advogado especializado em Previdência e colunista da Folha, afirma que uma portaria não pode se sobrepor à lei, que garante o pagamento do INSS em atraso para contribuintes autônomos. "É uma portaria; a lei não fala isso nem a própria Constituição", diz.
Segundo ele, ao recolher contribuições em atraso, trata-se de uma indenização ao INSS, algo que "historicamente" sempre foi possível. "Por que agora nesta última reforma não pode? É o embrião do desejo do INSS de criar algo que não tem fundamento", afirma.
O advogado Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários) diz que a reforma da Previdência de 2019 não criou essa barreira.
"É uma tese muito plausível e sustentável juridicamente [a favor dos segurados], porque tem um artigo na lei 8.212, o artigo 45 A, que permite esse pagamento, e uma portaria não se sobrepõe. Fica aquela imagem de que as pessoas estão agindo de má-fé, mas não é isso; sempre foi permitido pagar", afirma.
"O fato de a pessoa estar recolhendo em atraso não significa que ela não está cometendo uma fraude, ela está regularizando uma situação fiscal, com respaldo na lei, que obriga pagar nos últimos cinco anos, e se passar de cinco anos, pode indenizar."
Para Saraiva, no entanto, o caso poderia ser resolvido no STJ (Superior Tribunal de Justiça) por se tratar de indenização ao INSS, não de questão constitucional, mas o Supremo entende que, por afetar a reforma da Previdência, que mudou a Constituição de 1988, a corte é que deve decidir sobre o tema.
Já Santos defende o julgamento do caso no Supremo e afirma que a repercussão geral vai "harmonizar" a jurisprudência.