Petrobras perde processo trabalhista bilionário

Segunda, 25 de junho de 2018

Petrobras perde processo trabalhista bilionário

Empresa terá que excluir adicionais da base de cálculo dos salários. Estatal ainda pode recorrer

 

O plenário do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu nesta quinta-feira a favor dos funcionários da Petrobras em um processo que discute o cálculo das remunerações e adicionais dos empregados da estatal. O impacto estimado é de pelo menos R$ 17,2 bilhões para a empresa. Desse total, R$ 15,2 bilhões são para corrigir os salários retroativamente. Além disso, a folha de pagamento aumentará em R$ 2 bilhões por ano. Ou seja, num primeiro momento, o impacto total será de R$ 17,2 bilhões e, nos próximos anos, de mais R$ 2 bilhões por ano. Ainda cabe recurso para o próprio TST e para o Supremo Tribunal Federal (STF). A empresa disse que vai recorrer e que não fará qualquer desembolso no momento, por ainda ver chance de ganhar.


A decisão vale para cerca de 51 mil ativos e inativos da Petrobras. O caso é considerado a maior ação trabalhista da história da estatal. O julgamento durou mais de dez horas, dividiu o plenário do TST e só foi decidido no último voto: foram 12 votos a favor da Petrobras e 13 a favor dos trabalhadores. A discussão no Tribunal começou em outubro de 2015.


O presidente do TST, ministro João Batista Brito, informou que a decisão entrará em vigor após a publicação do acórdão.

- O TST é a última instância da Justiça do Trabalho. Nós decidimos uma questão de mérito. Tem ainda os embargos de declaração, tão conhecidos e utilizados — afirmou Brito. — A decisão tem que prevalecer no dia da sua publicação. Essa decisão tem validade e deve ser observada a partir da sua publicação. Se outra instância modificar, é outra questão, não nos diz respeito.

A gerente executiva do Jurídico da Petrobras, Taisa Oliveira Maciel, afirma que a empresa está confiante de que será possível reverter a decisão:

— O placar foi bastante apertado. Vamos esperar a publicação do acórdão e avaliar os recursos cabíveis dentro do Tribunal ou no STF. A Petrobras está absolutamente confiante de que vai reverter essa decisão. Não há nenhum efeito imediato, econômico ou financeiro, sobre a companhia e tampouco sobre a política remuneratória.

AUMENTOS CHEGARIAM A 50%

O caso teve origem em 2007, quando a Petrobras criou a complementação da Remuneração Mínima por Nível e Regime (RMNR). Essa verba era uma espécie de piso. Pelos termos desse acordo, adicionais — como trabalho noturno, regime de sobreaviso ou de periculosidade — fazem parte do cálculo da RNMR, mas os funcionários foram à Justiça para que os adicionais fossem pagos em separado. A Justiça do Trabalho começou a receber ações contra a Petrobras em 2010.

A maioria do TST decidiu ontem em favor da tese dos funcionários. Com a decisão, na prática, os complementos dos trabalhadores serão pagos de forma dobrada.

Com isso, por exemplo, um técnico de refinaria em metade de carreira, que hoje ganha R$ 11.123, pode aumentar seu salário em 50%, passando a receber R$ 16.648. Em outra situação, o salário de trabalhador de nível médio em plataforma de petróleo passaria de R$ 11.300 para R$ 16.200, uma alta 43%. Já o salário para quem tem mais de 20 anos na Petrobras passaria de R$ 16.400 para R$ 22.400, 36,5% a mais.

A Petrobras argumentou que o acordo assinado em 2007 vigorou por três anos sem intercorrências. Os advogados da companhia ainda anexaram informativos em que os sindicatos elogiam o resultado da negociação (divulgados na época da assinatura do acordo) e alegam que uma mudança no cálculo pode criar insegurança jurídica em torno dos acordos coletivos, instrumento que ganhou força nas discussões sobre a reforma trabalhista.

— A vontade das partes foi incluir os adicionais na base de cálculo — disse o advogado da Petrobras, Tales Maciel.

Por outro lado, os defensores dos trabalhadores afirmam que a redação do acordo dá margem para mais de uma interpretação, devendo prevalecer a que beneficia o funcionário, conforme jurisprudência fixada pela Justiça do Trabalho.

A discussão reúne sete mil ações individuais e 47 coletivas, com cerca de 20 entidades sindicais.

O relator do processo, ministro Alberto Bresciani, votou a favor dos trabalhadores. Ele entendeu que adicionais de origem constitucional ou legal (como periculosidade) deveriam ser excluídos da base de cálculos dos salários, considerados dedutíveis apenas os adicionais criados por normas coletivas, por regulamento de empresa ou meramente contratuais (como de confinamento). O entendimento de Bresciani foi seguido pela maioria do tribunal.

Ao acompanhar o voto de Bresciani, o ministro José Roberto Freire disse que incluir os adicionais na base de cálculo dos salários é inconstitucional:

- As partes decidiram excluir os adicionais dos complementos da RMNR. A vontade das partes foi evitar um teto, jamais endossar. A interpretação da Petrobras é inconstitucional. Ninguém pode celebrar um negócio jurídico contrário à Constituição.

A ministra revisora, Maria de Assis Calsing, por outro lado, concordou com os argumentos da Petrobras. Para ela, os adicionais e vantagens integram o cálculo, por ter sido essa a vontade tanto da empresa quanto dos funcionários “quando da celebração do acordo coletivo de trabalho”.

O presidente do TST emitiu o voto de desempate:

— A negociação coletiva não pode excluir itens constitucionais. Como exemplo, o adicional de periculosidade, adicional noturno. Esses não podem ser excluídos — disse o ministro Brito.

A Petrobras não provisionou o valor da ação, de R$ 15,2 bilhões, em seu balanço, porque considera que vai ganhar o processo. O montante está nas demonstrações contábeis como “perda possível”.

A empresa assegurou que a decisão do TST não terá impacto financeiro e econômico. Em fato relevante enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM, órgão regulador do mercado de capitais), a Petrobras afirma “que aguardará a publicação proferida hoje (ontem) para avaliar seu inteiro teor e tomar as medidas judiciais cabíveis em prol dos seus interesses e de seus investidores.”

A estatal disse ainda que “a RMNR respeita as diferenças remuneratórias de cada regime e condição de trabalho, bem como contempla os adicionais previstos em lei e os convencionados em Acordo Coletivo.”

No entendimento do TST, a Petrobras não pode incluir na base salarial adicionais como trabalho noturno, periculosidade e horas extras. Sem esses adicionais compondo o piso salarial, a petrolífera será obrigada a complementar o salário de milhares de funcionários.

- Não se pode compreender que um trabalhador que arrisca sua vida ganhe o mesmo do que quem trabalha no ar-condicionado - disse o advogado dos trabalhadores, Cézar Britto.

AÇÕES RECUAM EM NY DEPOIS DO PREGÃO

A decisão do TST saiu depois do fechamento da Bolsa brasileira. Mas os recibos de ações da Petrobras nos EUA reagiram negativamente no chamado after-market. Por volta das 21h, caíam 2,55%, a US$ 9,17. No pregão regular, o papel nos EUA já havia perdido 4,37%, para US$ 9,41, com o placar parcial do julgamento, a desvalorização do petróleo e o clima negativo nas Bolsas globais. Em São Paulo, as ações da estatal caíram 5,01% (ordinárias, com direito a voto, a R$ 17,65) e 6,85% (preferenciais, sem voto, a R$ 15,10). Com isso, a Petrobras perdeu nesta quinta-feira R$ 13,1 bilhões em valor de mercado, encerrando o pregão valendo R$ 215,9 bilhões.

Para Pablo Spyer, da Mirae Asset, a tendência é que os papéis da Petrobras acompanhem hoje a queda registrada ontem pelas ADRs. O fiel da balança será o comportamento do petróleo.

Para o analista de investimentos Carlos Soares, a ação da Petrobras, a partir de agora, deve flutuar ao sabor do noticiário sobre a disputa judicial:

- A ação da Petrobras tinha pela frente um gatilho de alta, que era a questão da cessão onerosa. Perdendo essa causa, todo o ganho que ela teria com a cessão onerosa, que eu estimo em R$ 10 bilhões, pode ser consumido. Com a Petrobras recorrendo, se tornará o que chamamos de papel ditado por eventos. Qualquer declaração que indique eventual desfecho irá movimentar o papel.




 

Fonte: O Globo