Aposentadoria como causa de extinção da relação de trabalho

Quinta, 29 de abril de 2021

Interpretação do §14º do art. 37 da Constituição Federal

Por Jeanne Vargas Machado

 

Uma das modificações que a Emenda Constitucional 103/2019 trouxe em relação aos agentes públicos que se aposentam no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) foi a extinção da relação de trabalho em razão da aposentadoria. A EC 103/2019 incluiu o parágrafo 14 ao art. 37 que recebeu a seguinte redação:

 

  • 14. A aposentadoria concedida com a utilização de tempo de contribuição decorrente de cargo, emprego ou função pública, inclusive do Regime Geral de Previdência Social, acarretará o rompimento do vínculo que gerou o referido tempo de contribuição. (grifou-se)           

 

A extinção da relação jurídica estatutária antes da vigência da EC 103/2019 já era aplicada na concessão de aposentadoria no Regime Próprio da Previdência Social (RPPS).  A novidade passou a ser na concessão de aposentadoria do agente público pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS). 

 

A partir da vigência da Reforma da Previdência não há dúvidas de que o §14 do art. 37 da Constituição Federal deva ser aplicado para aqueles que somente cumpriram os requisitos da aposentadoria após a EC 103/2019.

 

A questão polêmica que tem gerado dúvidas sobre a aposentadoria dos agentes públicos gira em torno da interpretação do §14 do art. 37 da Constituição Federal em conjunto com o art. 6º da EC 103/2019, que diz o seguinte: 

 

Art. 6º da EC 103/2019: 

O disposto no §14 do art. 37 da Constituição Federal não se aplica a aposentadorias concedidas pelo RGPS até a entrada em vigor desta Emenda Constitucional. (grifou-se)

 

Entendo que a redação deste dispositivo não foi feliz ao utilizar o termo "concedidas", quando o mais acertado deveria ser a data da implementação dos requisitos da aposentadoria, em respeito ao direito adquirido. 

 

Essa confusão tem gerado problemas para os agentes públicos que já tinham implementados os requisitos da aposentadoria antes da vigência da EC 103/2019 e não fizeram o requerimento ou, até mesmo, para aqueles que fizeram o pedido antes da vigência da EC 103/2019 e a concessão apenas ocorreu depois.

 

Tenho visto na prática agentes públicos que irão se aposentar pelo RGPS receosos de exercerem o seu direito adquirido - até então não evocado - e terem o vínculo com a Administração Pública rompido em razão da aplicação literal do art. 6º da EC 103/2019. 

 

Um caso semelhante a esse chegou ao Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Um empregado público requereu a sua aposentadoria antes da vigência da EC 103/2019, entretanto a concessão apenas ocorreu após a reforma da previdência. Por causa da aposentadoria, a relação de trabalho foi rompida e, ele, consequentemente, foi demitido. 

 

A sentença proferida pela juíza titular da Vara do Trabalho de Itajubá/MG, Dra. Cláudia Rocha Welterlin, condenou a empresa pública a reintegrar o ex-empregado na mesma função que ocupava e nas mesmas condições contratuais no momento da dispensa, além de pagar os salários e demais vantagens pelo período em que ficou sem trabalhar.

 

A magistrada alegou que, embora o ex-empregado público tivesse requerido a aposentadoria antes da vigência da EC 103/2019 e a decisão concessora tenha sido proferida depois, que a ele deveria ser reconhecido o direito adquirido de se aposentar sem aplicação do §14 do art. 37 da Constituição Federal.

 

A magistrada foi além ao reconhecer também o direito do agente público que implementou os requisitos da aposentadoria antes da vigência do novo regime jurídico de não ter extinto a relação de trabalho com a Administração Pública. 

 

"Entendo, contudo, que se o empregado podia se aposentar antes de 13/11/2019, ainda que não tenha exercitado tal direito, deixando para solicitar o benefício depois da EC 103/2019, ou que o direito tenha sido deferido após esta data, não se aplica a ele a nova regra, em respeito ao direito adquirido (que apenas fora exercido ou concedido depois da emenda)", fundamentou a juíza.



Processo0010113-83.2021.5.03.0061.

Torço para que este seja o entendimento adotado pelos demais Tribunais Regionais do Trabalho do nosso país. Afinal, o direito adquirido é um direito constitucional e precisa ser respeitado.

 

Palavras-chave: Aposentadoria como causa de extinção da relação de trabalho